Os números que têm registrado uma recuperação do mercado de trabalho brasileiro não são um retrato completo da situação dos trabalhadores, porque a qualidade das novas vagas de emprego piorou.
Chega uma hora que não dá mais para esperar terminar os estudos, a empresa dar certo, surgir uma vaga com aquele salário. Atrás da sobrevivência, o mercado de trabalho andou. De janeiro a março, a taxa de desemprego no país caiu para 11,1%.
Para achar um número menor que esse é preciso ir até o começo de 2016. Na comparação com os primeiros meses de 2020, sem o impacto da pandemia, são 2 milhões de pessoas a mais no mercado de trabalho.
Para a estatística, o mercado de trabalho é o “lugar” onde se encontram as pessoas que oferecem as habilidades e as empresas que precisam delas, mas o Brasil tem muitos mercados de trabalho, com realidades bem diferentes: o formal, com carteira assinada; o informal, sem garantias; dos profissionais qualificados, que podem escolher onde trabalhar; e outro bem distante, onde fica a maior parte dos trabalhadores brasileiros e onde o dado de queda do desemprego não mostra tudo.
Um retrato do tipo de emprego criado no país é: a auxiliar de limpeza que ganha o piso da categoria; a cabelereira autônoma, sem garantias; e o microempresário que ainda não recuperou os clientes.
“Eu diria que a causa fundamental dessa precariedade que temos ainda no mercado de trabalho está ligada à estrutura da nossa economia, que está toda ancorada em atividades muito simples, muito elementares, que remuneram mal e que dão muita rotatividade para os trabalhadores. Essa tendência é histórica. Agora, ultimamente, ela foi agravada pelo fato do país ter encolhido muito os investimentos. São investimentos que foram muito retraídos ao longo do tempo e que deram como resultante essa maioria de atividades muito simples, muito elementares”, explica José Pastore, professor de relações do trabalho da USP.
Depois de dois anos de crise, quem negocia salário diante da chance do emprego? “Estar registrada, trabalhando registrada. Ter uma garantia, né? Eu consigo organizar minhas coisas mais, entendeu? Minhas contas, aluguel, essas coisas”, diz a auxiliar de limpeza Flávia Domingues.
“A gente chega lá fora e as coisas estão cada vez mais caras, cada dia aumentando mais. É um sufoco”, afirma a cabeleireira Fabíola Moura Sampaio.
Fabíola, que só ganha quando trabalha, tem mais medo de ficar doente agora.
“Se eu fico, quem vai pagar minhas contas e trabalhar para mim? Não tem. Então, a gente já tem o sufoco de ir trabalhar todos os dias sem saber se vai ter cliente na agenda e ainda tenho medo de pegar e ter que ficar em casa. Sem trabalhar não ganha”, ressalta.
“Em geral, a gente tem um número de informais crescendo em uma velocidade grande. Também tem emprego formal sendo gerado, principalmente no setor de comércio e serviços, que tem esse caráter de recomposição de mão de obra. O que a gente tem observado é que o salário de admissão não tem sido alto suficiente para elevar a média dos salários, e talvez essa seja a má notícia dessa história. Quer dizer, parte da recuperação econômica se dá por conta do fato da mão de obra ter ficado mais barata para as empresas”, afirma Renan Pieri, professor de economia da FGV.
É a imagem da economia de serviços.
“Não chegamos a 100%, o nosso faturamento. Os nossos colaboradores, nossos sócios parceiros, estão ganhando menos. Nós gostaríamos de recompensá-los muito mais, mas nesse momento ainda não dá. Mas eu tenho fé, nós vamos conseguir”, diz o cabeleireiro Fábio Cassandro, sócio proprietário de salão.